segunda-feira, 16 de maio de 2016

Sobre Beyonce, industria, capitalismo e os dois lados de uma esquerda patética.

Recentemente a Beyonce lançou um álbum chamado Lemonade e ela aborda racismo na sociedade americana e relacionados (todo mundo sabe né).

A juventude de esquerda ficou dividida.

A galerinha que problematiza opressão mas não consegue se postar numa luta geral contra o capital enlouqueceu na alegria e a galerinha que dispensa qualquer recorte em nome do principal, o comunismo, desdenhou totalmente vendo isso como mais uma estratégia de propagação do capital que esse álbum é.

Agora, essa segunda galera teve mais um motivo pra reforçar suas ideias com uma reportagem dizendo que uma fábrica de uma marca de roupa cuja cantora é dona paga 100 euros por mês aos seus empregados, um trabalho quase escravo.

Ora, é obvio que se tratando de uma gigante industria como essa e essencialmente americana em um patamar de uma artista como ela nada disso seria anti-capitalista, algumas pessoas, incluindo ela, estão ganhando muito dinheiro e sempre que isso acontece alguém fica com o pouco que resta, não existe equilíbrio aí, é sabido e devemos lutar contra isso, não podemos fechar os olhos pra esse lado e enxergar somente uma negra empoderada.

Beyonce é uma mulher africana. Vão colocar sempre ela como americana ou afro-americana, mas pra quem sabe que o significado dessa afirmação é mais do que ter nascido no continente africano sabe também que mulher americana é a Katy Perry ou a Hillary Clinton.

Essa afirmação é só pra lembrar que a música popular mundial euro-americana, que está inserida em um contexto capitalista, teve como base (ritmos, harmonias, cantores, ideias) e tem diversos artistas de origem africana, de origem negra e estes são consumidos pelos dois lados da esquerda que eu falei aqui e que curiosamente é majoritariamente constituída de pessoas brancas.

Curioso também é como essa galera que (corretamente) enxerga a lógica do capital dentro do álbum da Beyonce como de qualquer artista famoso, vê valor na cultura de origem africana, na cultura negra, essa galera que no alto do seu aprendizado de comunismo estuda a revolução russa e Stalin, Mao e Marx consome cultura africana sem pensar que, poxa, as civilizações africanas são assim um tantinho mais antigas que as europeias né.

Então, nossa será que além de cultura, esse extenso continente com diversas etnias e que ja teve centenas de civilizações altamente avançadas em diversas áreas (como os egípcios e etiopês antigos) tem alguma contribuição política a oferecer?

A resposta é sim, é óbvio que é sim.

Ou essa galera acha que antes de Marx criar o manifesto não existiam maneiras possíveis de se viver em um mundo justo? Ou essa galera acha que numa história da humanidade com civilizações que datam de 10 mil anos atrás somente na revolução russa tivemos a primeira oportunidade de criar algo equilibrado no mundo? Ou essa galera acha que o capitalismo nasce de todos os lugares e atinge todos os povos e etnias da mesma forma? Ou essa galera acha que o comunismo é incriticável e infalível?

Não, essa galera não acha isso porque essa galera nem chega a pensar nisso.

O racismo ta tão impregnado nesse sistema que mesmo numa luta anti-capitalista nem sequer se considera a possibilidade de existirem ideologias e formas de luta criadas fora da Europa. (quando não são erroneamente chamadas de comunismo).

"Voce é comunista ou anarquista?"

"Stalinista ou Maoista?"

"Já leu Marx né?"

Alguém aí já ouviu falar de Panafricanismo? Marcus Garvey? Assata Shakur? Abdias do Nascimento? Os Panteras Negras voces conhecem né? Angela Davis, grande mulher! Inclusive, vocês sabem me dizer se ela já morreu ou ainda ta viva? Ou isso realmente importa? Voces sabem tanto da Revolução Russa, ja ouviram sobre a Independencia da Angola? Ou ao menos sabem que ouve uma revolução angolana? Voces sabem algum detalhe que seja algo além de pobreza, miséria, armas e mortes sobre algum processo de independência na África? Voces ao menos sabem citar mais de um país de lá que passou por isso? Voces já pararam pra pensar que por aquele lugarzinho chamado África passaram civilizações milenares que assim.. dever ter um pouquinho pra acrescentar as nossas visões políticas? Que mesmo dentro do nosso âmbito de luta o conhecimento e a ideologia são escolhidos e direcionados?

É, eu sei que não.

Porque a sua militância já tem todo um roteiro, já tem todo um estudo programado. Tudo que tá fora disso pode ser justificado pela frase "Stalin matou foi pouco".

E é assim que as coisas acontecem na nossa juventude de esquerda, enquanto uns acham ilusoriamente que saíram da metafórica caixinha do sistema somente se empoderando, problematizando, lutando contra preconceitos específicos e batendo palmas cegas pro capital se apropriando de lutas válidas, os que supostamente saíram se deixaram ser engolidos pela caixinha da própria militância, da militância programada, inquestionável, uma espécie de comunismo que é quase uma igreja.

Na favela é mais um jovem preto que ta prestes a morrer. Voce vai chegar pra ele e falar do novo álbum da Beyonce ou de teorias complexas e academicistas (irrevisaveis, afinal, aquilo nada pode ser acrescentado) de um cara europeu com a mesma fuça daquele que tá prestes a atirar na cara dele?

Sabe onde todos estão? Olha só! Na famosa internet.

Palmas pra essas "militâncias".

João Carlos Pinho.

segunda-feira, 9 de maio de 2016

Feliz dia das mães (atrasado) pra geral (que é mãe)!

Eu queria aproveitar a data pra falar de uma música que eu curto bastante e tem uma letra interessantíssima, e como várias outras do Pink Floyd foi importante na minha vida servindo como base pra reflexão para varias relações da minha vida e da vida em sociedade em geral por perspectivas as vezes incomuns. O nome dessa música é Mother e ela fala (olha só) de mães, mais precisamente da relação maternal.

Antes disso, é importante explicar o contexto em torno da música. A música foi composta por Roger Waters como boa parte do álbum em que ela aparece, o The Wall (de 1979). Esse disco como o traço típico de Roger carrega uma conceitualidade crítica que envolve todo ele. O álbum explora as relações e elementos da vida social que levam a criação de muros metafóricos pelo individuo na tentativa de se isolar dos males e dores da vida social.

A primeira vez que ouvi Mother eu não estava com a letra em mãos e nem tinha uma percepção grande de inglês pra sacar qual era a da letra mas pela sua beleza e grandiosidade do seu solo supus que era uma homenagem as mães como ser celestial que nos ajuda a suportar o medo e a tristeza que nos atinge. Mas o papo é outro totalmente.

A canção começa com o filho perdido buscando auxilio pra entender qual é a desse mundo:

Mother, do you think they'll drop the bomb?
Mother, do you think they'll like this song?
Mother, do you think they'll try to break my balls?
Mother, should I build the wall?

Mãe, você acha que eles jogarão a bomba?
Mãe, você acha que eles gostarão dessa música?
Mãe, você acha que eles tentarão me castrar?
Mãe, eu devo construir o muro?

O eu-lirico demonstra sua insegurança tanto quanto a fatores do mundo em que ele não tem poder, a bomba (guerra fria ai galera), quanto a opinião das pessoas sobre suas criações, a música. Demonstra medo quanto ao que o mundo pode fazer a ele, castra-lo, e por fim pergunta se deve começar a construir seu muro para se privar do que o convívio e a vida social. 

E continua:

Mother, should I run for president?
Mother, should I trust the government?
Mother, will they put me in the firing line?
Is it just a waste of time?

Mãe, eu devo concorrer para presidente?
Mãe, eu devo confiar no governo?
Mãe, eles me colocarão na linha de fogo?
Isso é só uma perda de tempo?

E a resposta vem surpreendente pra um João Carlos que lia pela primeira vez esperando uma música intensa e feliz: 

Hush now, baby, baby, don't you cry
Momma's gonna make all of your nightmares come true
Momma's gonna put all of her fears into you
Momma's gonna keep you right here under her wing

Calma agora, bebê, bebê, não chore
Mamãe irá fazer todos os seus pesadelos virarem realidade
Mamãe irá colocar todos os medos dela em você
Mamãe vai manter você bem debaixo da asa dela

Segundo as palavras do próprio Waters a canção é sobre: "The idea that we can be controlled by our parents" ("A ideia de que podemos (e somos) controlados pelos nossos pais". Esses versos que iniciam essa ideia dentro da música são muito fortes, "mamãe irá fazer todos os seus pesadelos virarem realidade" e claro não expressa realmente a vontade da mãe mas algo que elas acabam fazendo em seu senso de super proteção, estimular o medo, mante-los "debaixo de suas asas", precaver os filhos de tudo pra evitar os inevitáveis erros.

She won't let you fly, but she might let you sing
Momma's gonna keep baby cozy and warm
Oh, baby, of course momma's gonna help build the wall

Ela não deixará você voar, mas pode te deixar cantar
Mamãe vai manter o bebê aconchegado e aquecido
Oh, bebê, claro que mamãe irá ajudar a construir o muro

E então o filho pode tomar dois caminhos, se rebelar contra isso, tomar uma atitude, conflito inevitável e então uma liberdade para lutar por si mesmo pela sua independência no mundo ou se apoiar no conforto da segurança das "asas da mãe" e não ter que enfrentar o mundo, suas obscuridades e abdicar de possíveis gratificações. Esse climax mental é ponteado pelo solo de David Gilmour que eu digo sem pestanejar que é um dos melhores guitarristas e solistas de toda história, o solo é sublime, e ainda sim não se torna mais grandioso que a própria música, ele a complementa grandiosamente. As perguntas seguem e elas são nossa resposta:

Mother, do you think she's good enough
For me?
Mother, do you think she's dangerous
To me?
Mother, will she tear your little boy apart?
Mother, will she break my heart?

Mãe, você acha que ela é boa o bastante
Para mim?
Mãe, você acha que ela é perigosa
Para mim?
Mãe, ela vai fazer seu menininho em pedaços?
Mãe, ela irá partir meu coração?

Um autêntico filhinho da mamãe, mas em parte o produto de uma realidade hostil se apoiando na saída mais tranquila e fácil pra mesma, o homem que escolhe permanecer dentro da caverna, longe das feras mas também longe da luz do dia. 

Hush now baby, baby, don't you cry
Momma's gonna check out all your girlfriends for you
Momma won't let anyone dirty get through
Momma's gonna wait up until you get in
Momma will always find out where you've been
Momma's gonna keep baby healthy and clean

Calma agora bebê, bebê, não chore
A mamãe vai checar todas as suas namoradas pra você
Mamãe não irá deixar ninguém sujo se aproximar
Mamãe vai esperar acordada até você entrar
Mamãe vai sempre descobrir por onde você esteve
Mamãe vai sempre manter o bebê saudável e limpo

Essa música me fez repensar muito minha relação com meus país, no meu caso, não é uma relação ruim embora tenha seus problemas mas, ainda mais quando estamos crescendo, vamos reparando como essa relação pai/mãe-filho está condicionada a varias problemáticas que temos que enfrentar e que são criadas por convenções e normas sociais. Voce percebe que seus pais agem de formas que voce não concorda mas que eles agem assim porque foram ensinados a agir e pensar dessa forma, da mesma maneira que voce também é ensinado a agir de um jeito e que isso começa a influenciar no que voce faz da sua vida. Voce ainda não tem as redeas dela totalmente até ter um emprego e/ou se mandar. 

Nas relações pais-filhos da nossa realidade isso acaba sendo normal e eu digo da NOSSA realidade porque não podemos normalizar isso como se fizesse parte da vida e não devesse mudar, afinal se vemos um problema e eu imagino que alguém nessa geração queira ser mãe ou pai ainda, não deveríamos perpetuar ele. 

Por fim, a canção termina com o filho refletindo sobre sua escolha, pensando se poderia ter escolhido o outro caminho:

Mother, did it need to be so high?
Mãe, precisava ser tão alto?

O muro, a barreira que foi construída, precisava ter sido tão alta mesmo? Ele precisava ter se fechado tanto?




João Carlos Pinho

PS: O álbum The Wall foi seguido de um filme com o mesmo nome em que as músicas dele são tocadas e se passa a história que as letras do CD falam sobre, pra quem se interessar fica a dica.