segunda-feira, 16 de maio de 2016

Sobre Beyonce, industria, capitalismo e os dois lados de uma esquerda patética.

Recentemente a Beyonce lançou um álbum chamado Lemonade e ela aborda racismo na sociedade americana e relacionados (todo mundo sabe né).

A juventude de esquerda ficou dividida.

A galerinha que problematiza opressão mas não consegue se postar numa luta geral contra o capital enlouqueceu na alegria e a galerinha que dispensa qualquer recorte em nome do principal, o comunismo, desdenhou totalmente vendo isso como mais uma estratégia de propagação do capital que esse álbum é.

Agora, essa segunda galera teve mais um motivo pra reforçar suas ideias com uma reportagem dizendo que uma fábrica de uma marca de roupa cuja cantora é dona paga 100 euros por mês aos seus empregados, um trabalho quase escravo.

Ora, é obvio que se tratando de uma gigante industria como essa e essencialmente americana em um patamar de uma artista como ela nada disso seria anti-capitalista, algumas pessoas, incluindo ela, estão ganhando muito dinheiro e sempre que isso acontece alguém fica com o pouco que resta, não existe equilíbrio aí, é sabido e devemos lutar contra isso, não podemos fechar os olhos pra esse lado e enxergar somente uma negra empoderada.

Beyonce é uma mulher africana. Vão colocar sempre ela como americana ou afro-americana, mas pra quem sabe que o significado dessa afirmação é mais do que ter nascido no continente africano sabe também que mulher americana é a Katy Perry ou a Hillary Clinton.

Essa afirmação é só pra lembrar que a música popular mundial euro-americana, que está inserida em um contexto capitalista, teve como base (ritmos, harmonias, cantores, ideias) e tem diversos artistas de origem africana, de origem negra e estes são consumidos pelos dois lados da esquerda que eu falei aqui e que curiosamente é majoritariamente constituída de pessoas brancas.

Curioso também é como essa galera que (corretamente) enxerga a lógica do capital dentro do álbum da Beyonce como de qualquer artista famoso, vê valor na cultura de origem africana, na cultura negra, essa galera que no alto do seu aprendizado de comunismo estuda a revolução russa e Stalin, Mao e Marx consome cultura africana sem pensar que, poxa, as civilizações africanas são assim um tantinho mais antigas que as europeias né.

Então, nossa será que além de cultura, esse extenso continente com diversas etnias e que ja teve centenas de civilizações altamente avançadas em diversas áreas (como os egípcios e etiopês antigos) tem alguma contribuição política a oferecer?

A resposta é sim, é óbvio que é sim.

Ou essa galera acha que antes de Marx criar o manifesto não existiam maneiras possíveis de se viver em um mundo justo? Ou essa galera acha que numa história da humanidade com civilizações que datam de 10 mil anos atrás somente na revolução russa tivemos a primeira oportunidade de criar algo equilibrado no mundo? Ou essa galera acha que o capitalismo nasce de todos os lugares e atinge todos os povos e etnias da mesma forma? Ou essa galera acha que o comunismo é incriticável e infalível?

Não, essa galera não acha isso porque essa galera nem chega a pensar nisso.

O racismo ta tão impregnado nesse sistema que mesmo numa luta anti-capitalista nem sequer se considera a possibilidade de existirem ideologias e formas de luta criadas fora da Europa. (quando não são erroneamente chamadas de comunismo).

"Voce é comunista ou anarquista?"

"Stalinista ou Maoista?"

"Já leu Marx né?"

Alguém aí já ouviu falar de Panafricanismo? Marcus Garvey? Assata Shakur? Abdias do Nascimento? Os Panteras Negras voces conhecem né? Angela Davis, grande mulher! Inclusive, vocês sabem me dizer se ela já morreu ou ainda ta viva? Ou isso realmente importa? Voces sabem tanto da Revolução Russa, ja ouviram sobre a Independencia da Angola? Ou ao menos sabem que ouve uma revolução angolana? Voces sabem algum detalhe que seja algo além de pobreza, miséria, armas e mortes sobre algum processo de independência na África? Voces ao menos sabem citar mais de um país de lá que passou por isso? Voces já pararam pra pensar que por aquele lugarzinho chamado África passaram civilizações milenares que assim.. dever ter um pouquinho pra acrescentar as nossas visões políticas? Que mesmo dentro do nosso âmbito de luta o conhecimento e a ideologia são escolhidos e direcionados?

É, eu sei que não.

Porque a sua militância já tem todo um roteiro, já tem todo um estudo programado. Tudo que tá fora disso pode ser justificado pela frase "Stalin matou foi pouco".

E é assim que as coisas acontecem na nossa juventude de esquerda, enquanto uns acham ilusoriamente que saíram da metafórica caixinha do sistema somente se empoderando, problematizando, lutando contra preconceitos específicos e batendo palmas cegas pro capital se apropriando de lutas válidas, os que supostamente saíram se deixaram ser engolidos pela caixinha da própria militância, da militância programada, inquestionável, uma espécie de comunismo que é quase uma igreja.

Na favela é mais um jovem preto que ta prestes a morrer. Voce vai chegar pra ele e falar do novo álbum da Beyonce ou de teorias complexas e academicistas (irrevisaveis, afinal, aquilo nada pode ser acrescentado) de um cara europeu com a mesma fuça daquele que tá prestes a atirar na cara dele?

Sabe onde todos estão? Olha só! Na famosa internet.

Palmas pra essas "militâncias".

João Carlos Pinho.

segunda-feira, 9 de maio de 2016

Feliz dia das mães (atrasado) pra geral (que é mãe)!

Eu queria aproveitar a data pra falar de uma música que eu curto bastante e tem uma letra interessantíssima, e como várias outras do Pink Floyd foi importante na minha vida servindo como base pra reflexão para varias relações da minha vida e da vida em sociedade em geral por perspectivas as vezes incomuns. O nome dessa música é Mother e ela fala (olha só) de mães, mais precisamente da relação maternal.

Antes disso, é importante explicar o contexto em torno da música. A música foi composta por Roger Waters como boa parte do álbum em que ela aparece, o The Wall (de 1979). Esse disco como o traço típico de Roger carrega uma conceitualidade crítica que envolve todo ele. O álbum explora as relações e elementos da vida social que levam a criação de muros metafóricos pelo individuo na tentativa de se isolar dos males e dores da vida social.

A primeira vez que ouvi Mother eu não estava com a letra em mãos e nem tinha uma percepção grande de inglês pra sacar qual era a da letra mas pela sua beleza e grandiosidade do seu solo supus que era uma homenagem as mães como ser celestial que nos ajuda a suportar o medo e a tristeza que nos atinge. Mas o papo é outro totalmente.

A canção começa com o filho perdido buscando auxilio pra entender qual é a desse mundo:

Mother, do you think they'll drop the bomb?
Mother, do you think they'll like this song?
Mother, do you think they'll try to break my balls?
Mother, should I build the wall?

Mãe, você acha que eles jogarão a bomba?
Mãe, você acha que eles gostarão dessa música?
Mãe, você acha que eles tentarão me castrar?
Mãe, eu devo construir o muro?

O eu-lirico demonstra sua insegurança tanto quanto a fatores do mundo em que ele não tem poder, a bomba (guerra fria ai galera), quanto a opinião das pessoas sobre suas criações, a música. Demonstra medo quanto ao que o mundo pode fazer a ele, castra-lo, e por fim pergunta se deve começar a construir seu muro para se privar do que o convívio e a vida social. 

E continua:

Mother, should I run for president?
Mother, should I trust the government?
Mother, will they put me in the firing line?
Is it just a waste of time?

Mãe, eu devo concorrer para presidente?
Mãe, eu devo confiar no governo?
Mãe, eles me colocarão na linha de fogo?
Isso é só uma perda de tempo?

E a resposta vem surpreendente pra um João Carlos que lia pela primeira vez esperando uma música intensa e feliz: 

Hush now, baby, baby, don't you cry
Momma's gonna make all of your nightmares come true
Momma's gonna put all of her fears into you
Momma's gonna keep you right here under her wing

Calma agora, bebê, bebê, não chore
Mamãe irá fazer todos os seus pesadelos virarem realidade
Mamãe irá colocar todos os medos dela em você
Mamãe vai manter você bem debaixo da asa dela

Segundo as palavras do próprio Waters a canção é sobre: "The idea that we can be controlled by our parents" ("A ideia de que podemos (e somos) controlados pelos nossos pais". Esses versos que iniciam essa ideia dentro da música são muito fortes, "mamãe irá fazer todos os seus pesadelos virarem realidade" e claro não expressa realmente a vontade da mãe mas algo que elas acabam fazendo em seu senso de super proteção, estimular o medo, mante-los "debaixo de suas asas", precaver os filhos de tudo pra evitar os inevitáveis erros.

She won't let you fly, but she might let you sing
Momma's gonna keep baby cozy and warm
Oh, baby, of course momma's gonna help build the wall

Ela não deixará você voar, mas pode te deixar cantar
Mamãe vai manter o bebê aconchegado e aquecido
Oh, bebê, claro que mamãe irá ajudar a construir o muro

E então o filho pode tomar dois caminhos, se rebelar contra isso, tomar uma atitude, conflito inevitável e então uma liberdade para lutar por si mesmo pela sua independência no mundo ou se apoiar no conforto da segurança das "asas da mãe" e não ter que enfrentar o mundo, suas obscuridades e abdicar de possíveis gratificações. Esse climax mental é ponteado pelo solo de David Gilmour que eu digo sem pestanejar que é um dos melhores guitarristas e solistas de toda história, o solo é sublime, e ainda sim não se torna mais grandioso que a própria música, ele a complementa grandiosamente. As perguntas seguem e elas são nossa resposta:

Mother, do you think she's good enough
For me?
Mother, do you think she's dangerous
To me?
Mother, will she tear your little boy apart?
Mother, will she break my heart?

Mãe, você acha que ela é boa o bastante
Para mim?
Mãe, você acha que ela é perigosa
Para mim?
Mãe, ela vai fazer seu menininho em pedaços?
Mãe, ela irá partir meu coração?

Um autêntico filhinho da mamãe, mas em parte o produto de uma realidade hostil se apoiando na saída mais tranquila e fácil pra mesma, o homem que escolhe permanecer dentro da caverna, longe das feras mas também longe da luz do dia. 

Hush now baby, baby, don't you cry
Momma's gonna check out all your girlfriends for you
Momma won't let anyone dirty get through
Momma's gonna wait up until you get in
Momma will always find out where you've been
Momma's gonna keep baby healthy and clean

Calma agora bebê, bebê, não chore
A mamãe vai checar todas as suas namoradas pra você
Mamãe não irá deixar ninguém sujo se aproximar
Mamãe vai esperar acordada até você entrar
Mamãe vai sempre descobrir por onde você esteve
Mamãe vai sempre manter o bebê saudável e limpo

Essa música me fez repensar muito minha relação com meus país, no meu caso, não é uma relação ruim embora tenha seus problemas mas, ainda mais quando estamos crescendo, vamos reparando como essa relação pai/mãe-filho está condicionada a varias problemáticas que temos que enfrentar e que são criadas por convenções e normas sociais. Voce percebe que seus pais agem de formas que voce não concorda mas que eles agem assim porque foram ensinados a agir e pensar dessa forma, da mesma maneira que voce também é ensinado a agir de um jeito e que isso começa a influenciar no que voce faz da sua vida. Voce ainda não tem as redeas dela totalmente até ter um emprego e/ou se mandar. 

Nas relações pais-filhos da nossa realidade isso acaba sendo normal e eu digo da NOSSA realidade porque não podemos normalizar isso como se fizesse parte da vida e não devesse mudar, afinal se vemos um problema e eu imagino que alguém nessa geração queira ser mãe ou pai ainda, não deveríamos perpetuar ele. 

Por fim, a canção termina com o filho refletindo sobre sua escolha, pensando se poderia ter escolhido o outro caminho:

Mother, did it need to be so high?
Mãe, precisava ser tão alto?

O muro, a barreira que foi construída, precisava ter sido tão alta mesmo? Ele precisava ter se fechado tanto?




João Carlos Pinho

PS: O álbum The Wall foi seguido de um filme com o mesmo nome em que as músicas dele são tocadas e se passa a história que as letras do CD falam sobre, pra quem se interessar fica a dica.

sexta-feira, 18 de março de 2016

Mulheres Negras no Rock n Roll (parte II) - Recomendações

Agora vamos as recomendações de bandas e artistas negras que fazem um trabalho excelente dentro do rock n' roll.


Tamar-Kali

A cantora americana que vem do Brooklyn já ta no mapa musical tem mais de dez anos, desde 2005 quando lançou seu EP Geechee Goddess Hardcore Warrior Soul mas como vocalista já deu suporte pra grupos como Fishbone e Outkast. Ela faz um som intenso e pesado beirando o metal alternativo, segundo ela suas inspirações musicais são muito variadas desde PJ Harvey até The Mars Volta passando por Grace Jones, Betty Davis e Deftones. Kali vem do nome do deus hindu da guerra e do poder, nome justificado na potencia do seu som, confiram ai:





Adiam Dymott 

A Adiam é de um país da África chamada Eritrea mas foi radicada na Suécia e lançou seu primeiro álbum em 2009, muito bem trabalhado, um passeio entre o rock de garagem e o indie, muitas vezes misturando os dois completamente. Se liga no som:


                                     


Honeychild Coleman

Honeychild Coleman é uma moça do Kentucky nos Estados Unidos que começou a carreira em 93 na cena underground de Nova York no metrô fazendo performances de freestyle e música eletrônica. Em 1998 ela fez a própria banda de alt-rock, compondo, cantando e tocando guitarra, além de organizar eventos alternativos de música. Ouçam com atenção: 





Kathy Foster


Provavelmente a garota mais respeitada e conhecida no cenário musical que aparece nessa lista (e olha que voce nem faz ideia de quem seja), a Kathy toca bateria no All Girl Summer Fun Band mas é conhecida mesmo como a baixista do The Thermals, que faz um pop punk muito bom na qual suas linhas de baixo se destacam demais, eu diria que é uma das melhores baixistas de punk que ja escutei, seu som é consistente, firme e selvagem. 




AJ Haynes

Uma das minhas principais apostas pra esse ano, que deve vir com um álbum iradíssimo são os Seratones, a banda da destruidora AJ Haynes com seu vocal delirante. O Seratones tem uma pegada meio vintage e ao mesmo tempo assimilaram um toque de modernidade indie como poucas bandas conseguem fazer ou manter na minha opinião e embora tenha pouco material disponível ainda já é um dos que considero mais promissores.




Por hoje é isso, se puderem deem joinha no video e adicionem aos favoritos na barrinha aqui embaixo (zoa rs). 
Abs, 
Jão. 

segunda-feira, 7 de março de 2016

Mulheres Negras no Rock n' Roll (Parte I) - Representatividade

Pense em rock n'roll.


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   Feche os olhos e deixe sua mente por alguns segundos soltar as imagens de pessoas que vem a sua cabeça quando voce pensa em rock n' roll.


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   Você pensou em varias pessoas.


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   Eram de 90 a 100 por cento homens.


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   E a não ser que voce tenha pensado no Hendrix botando fogo em uma guitarra, eram todos brancos.

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   Não minta pra mim, eu sei que voce viu a porra do Jim Morrison cantando perto ao microfone que esse era o fim, o Sid Vicious suado e sem camisa enganando umas notas no baixo, o John Lennon dizendo aquilo que realmente acreditava ou o Kurt Cobain cantando no unplugged mais famoso da história.

   Ainda que não, voce inevitavelmente pensou no ponto chave de todas essas imagens: um homem branco empunhando seu instrumento, sua arma, no que pode ser considerado o gênero mais rebelde do mundo.

   E mais controverso também, afinal, como pode a pura rebeldia juvenil quase não englobar mulheres e quando engloba-las serem majoritariamente brancas? Um genero famoso pela subversão de padrões tradicionais não englobar as que são mais afetadas por eles?

   Voce pode lembrar da Joan Jett e das Runaways, da Debbie Harry do Blondie, da Patti Smith, da Kim Deal do Pixies, da Kim Gordon do Sonic Youth, da Courtney Love do Hole ou até mesmo de todo movimento Riot Grrrl da década de 90.

   E pasmem, nenhuma mulher negra, todas brancas. A maioria inclusive com pensamentos políticos bem definidos e fundamentados, sendo sexualizadas pela mídia de maneira a mascarar qualquer vestígio de sua ideologia que luta pela sua liberdade e equidade.

   Existiu até uma dupla pop chamada Os Mulheres Negras formada por dois homens. Parece cômico o nome? Por que foi colocado nas nossas mentes que é engraçado um grupo chamado Mulheres Negras? A gente riria de uma dupla de mulheres chamada Os Caras Brancos? Por que o humor vai pra uma via só?

Tamar Kali

   As mulheres negras mesmo não aparecem, tendo que encarar ainda mais carga de opressões sociais que um negro ou uma mulher branca, elas simplesmente não aparecem. Voce pode pensar ainda algo do tipo "Mas o rock nasceu na Inglaterra e era predominantemente de caras brancos, o que se pode fazer? É um gênero musical e não um instrumento político, se uma mulher negra quer toca-lo basta fazer uma banda, ninguém ta impedindo nada"

   Galera, ta na hora de começar a perceber que a cultura, seja em sua maneira de distribuição, propagação, mensagem passada, representatividade, tem um fundo político e ideológico mesmo que isso aparentemente não esteja claro. Nela estão entranhados os costumes e ideias de um povo e que servem de base para sua maneira de pensar e ser: a vida imita a arte e vice versa.

   A maneira do mundo ocidental pensar é clara (literal e figurativamente) em uma sociedade que o racismo era fortemente presente (e ainda é) como os Estados Unidos dos anos 50, quando seria meio obvio presumir que não deixariam passar que quem criou o rock em seu jeito primordial, uma aceleração do blues já eletrizado das grandes cidades, foi justamente uma mulher negra: Rosetta Tharpe que tem na música "Strange Things Happen Everyday" o que é considerada a primeira gravação de rock n' roll seja pela potencia de sua voz seja pelo seu modo de tocar guitarra com uma técnica diferenciada esbanjando inovação pra época.

Sister Rosetta Tharpe

  Irmã ou Mama Rosetta Tharpe já que era uma cantora de música gospel e nada tinha de rebeldia em seus posicionamentos ou atitudes agressivas que se tornariam típicas de astros do estilo anos mais tarde. Nada além do fato de ser uma mulher negra pioneira de um estilo musical tocando em salões de baile e clubes noturnos em Nova York (na década de 50!) e isso é MUITA coisa, um ato político de peso maior que muito marmanjo quebrando a guitarra no palco.

   O posto de "criador" do rock n' roll passou logo pra Chuck Berry e depois pra Elvis, algo bem simbólico: a mulher negra que perde espaço pro homem, e este sendo negro, perde espaço pro homem branco. Claro que qualquer um com um pouco de pesquisa e conhecimento da causa sabe muito bem que Elvis não criou nada, e que Chuck só tornou ainda mais agressivo o que Mama Rosetta estava fazendo, porém ainda tem muita gente que acredita que Elvis Presley realmente criou o rock.

   A partir de agora em um universo paralelo eu começo a escrever sobre as varias mulheres negras que tiveram destaque nesse estilo de música e os movimentos na qual fizeram parte mas como isso (ainda) não aconteceu eu vou, antes de mostrar algumas das moças que estão dando duro por ai fazendo um som pesado, falar porque isso é importante. Leiam com atenção ein.

Arte de Jorge Santiago Jr. - Afropunk Girl
 
   Primeiro: nós vivemos em uma sociedade racista e sexista.

   Não adianta tu espernear, compartilhar aquela merda daquele video estupido do Morgan Freeman ou dizer que homens que fazem trabalhos pesados ou tem alistamento obrigatório, nem começa a usar a palavra reverso pra desmerecer os movimentos. Não da pra voce lutar de maneira (racional) contra fatos e dados. Mulheres tem salários menores que homens, mulheres negras menores ainda, isso quando chegam a ocupar os mesmos cargos. Mulheres são agredidas, sofrem assédios e abusos físicos e psicológicos todo dia, mulheres negras ainda mais. E uma serie de outros fatores que colocam na posição de oprimido um grupo de pessoas pelo sexo ou pela cor, eu não vou me dar o trabalho de colocar aqui os dados porque voce pode simplesmente jogar isso no famoso google e encontrar as respostas por si mesmo.

   Segundo: porque representatividade é mudança.




   É possível ver hoje dentro de movimentos sociais muita gente criticando o que chamamos de empoderamento e representatividade pelo fato disso não causar uma mudança real nas condições sociais da nossa desequilibrada sociedade, só colocando alguém que veio da base na posição de alguém rico e que contribui pra que esse desequilíbrio se perpetue. Ora, vamos começar que presumir que algum movimento real acha que vai modificar algo somente com representatividade e só tem como pauta tal coisa é de uma prepotência enorme, isso nem ao menos poderia ser chamado de movimento se assim fosse.


   Por fim, voce pode ainda não ver importância de representatividade da sua posição de articulador social de classe média (não que voce não tenha que lutar claro ou ainda não tenha problemas sociais) mas imagina o que se passa na cabeça de uma menina negra, uma menina negra de periferia que por algum motivo fugiu um pouco do padrão musical de seu meio e curte um rock. Ou uma menina preta que quer ser artista. Uma garota que é sexualizada desde cedo, que é coagida a tentar chamar o menos de atenção possível fora do seu ambiente rotineiro por ser simplesmente quem é e porque isso pode gerar problema. Uma pessoa que provavelmente crescerá com traumas e crises. Eu acredito que baste um pouco de empatia, só um pouco pra perceber o quanto a figura de alguém que voce se identifique em um palco pode ser o estimulo necessário pra seguir mais um dia com um pouco mais de confiança, um pouco mais feliz pra quem achava que essa representatividade nunca ia ter e tem na vida tantos problemas.

   Nós temos que mudar as coisas sim, lutar pra que mudem. Mas não da pro lado da moeda que tenta mudar o cenário que temos esquecer também que somos seres humanos, e por isso não quero dizer que somos socialmente todos iguais mas que temos psicológico e fortalecer a luta as vezes deve ser fortalecer aqueles que a farão. Voce consegue cumprir seus deveres para com a busca por um mundo melhor estando desacreditado na vida? Pois é, ninguém. As vezes isso representa um pouco de fé pra quem não tem quase nada, ou melhor, pra quem mesmo antes de nascer lhe foi tirado muito.




E pra alguém que acredita na cultura como grande mobilizador social mais até do que isso.


João Carlos Pinho.



quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Walking on The Wild Side: As Drogas na América Sessentista/Setentista de Heron e Reed

   Sem muitas delongas, só de repente venci a preguiça e me peguei na vontade de postar de novo. E agora decidi mudar um pouco as coisas, to planejando umas postagens, musicais claro, mas falando em níveis menores, letras, arranjos e detalhes mais simples que sejam especiais, chamem minha atenção e de alguma forma possa encaixa-los em algo maior, no contexto social da época que foram lançados. Vamos ver no que isso vai dar... por hoje decidi começar com algo importante e bem politico: me propus a analisar a entrada das drogas pesadas nos Estados Unidos fazendo um recorte de cor através da letra de algumas músicas. Mas antes vou fazer uma introdução do contexto pra vocês sacarem a percepção que tenho dos fatos.

Gerações de Panteras.
   No final da década de 60/começo da década de 70 o Partido das Panteras Negras ganhava força como forma de resistência ao racismo legitimado pelo Estado americano que institucionalizava a descriminação que vinha desde a escravidão e esteve presente pelo apartheid, na guerra civil do país, na Klu Klux Klan e na classe média em geral. Tudo isso tinha culminado depois de muita luta na eclosão do movimento pelos direitos civis dos negros de liderança de Martin Luther King Jr e Malcom X e na criação do partido citado.

   As Panteras Negras que inicialmente patrulhava os guetos para proteger seus residentes da brutalidade dos ataques policias ganhou um caráter social muito grande, ações assistenciais eram realizadas, como a criação de escolas comunitárias, distribuição gratuita de alimentação, bem como a criação de centros médicos destinados a atender a comunidade negra. O Partido ensinava em escolas para jovens e também adultos o porquê de estarem naquela situação social e politica e isso por algum motivo ia contra o interesse do governo... vai saber né?

Racismo na América
   Nessa época o FBI buscou romper e “neutralizar” os Panteras Negras sob um programa secreto de contrainteligência chamado o COINTELPRO, de acordo com relatórios de um comitê do senado americano. O FBI usou informantes que levaram a diversas apreensões de armamentos dos Panteras em Chicago, Detroit, San Diego e Washington. No final de 1969, pelo menos 28 Panteras haviam sido mortos em confrontos armados com a polícia, e muito mais haviam sido presos por porte de armas.

Panteras protestando por direitos.
   Mais do que isso, para acabar completamente com as Panteras, a CIA e o FBI passaram, em associação com narcotraficantes da América latina, a despejar toneladas de cocaína e heroína nos bairros negros visando a desarticulação política, levando à dissolução do Partido.

   Sim, as drogas pesadas só passaram a ser traficadas em grandes quantidades nos E.U.A porque o governo americano considerou um dia uma organização de jovens militantes pretos "a maior ameaça à segurança interna do país" como declarou o presidente Hoover em 68. O que o governo não contava é que essas drogas iriam vazar dos guetos para a classe média americana fato que logo se consolidou.

   E é nesse contexto que quero mostrar essa relação com as drogas refletida na música.

   Primeiro por uma figura icônica dentro do rock, um santo as avessas cultuado por adolescentes hipsters, colecionadores de vinil e artistas plásticos: Lou Reed.

Lou Reed.
   Esse que vos escreve curte bastante a obra do cara, não que o considere um ídolo (e isso inclusive é debate para um próximo texto: quando eu acho justo considerar alguém um ídolo) mas teve uma grande importância para a música pop de sua época com seu inovadorismo.

   Aqui o lendário líder do Velvet Underground representa o autêntico adolescente da classe média americana da época, rebelando-se contra os valores de sua família tradicional judia (até sendo mandado para uma espécie de "cura gay") e consumindo heroína proveniente dos guetos como expliquei acima.

Velvet Underground & Nico, 1967.
   No primeiro álbum de sua banda, o clássico máximo da art rock, Velvet Underground & Nico, ele aborda o tema em duas músicas: "I'm Waiting for The Man" e "Heroin" que causaram polêmica por serem as primeiras músicas sobre esse tipo de droga cantadas na música pop (branca).

   Na primeira, ele relata sua espera na rua 125 de Manhattan, considerada a principal rua do bairro afro-americano do Harlem (sendo também chamada de Martin Luther King Jr. Boulevard) pelo traficante que lhe forneceria a droga detalhando todo processo e até mesmo a abordagem de um policial estranhando (ou fingindo estranhar) a presença de um garoto branco naquele lugar.


Trecho da letra original - I'm Waiting for The Man

I'm waiting for my man, 26 Dollars in my hand
Up to Lexington 125
Feel sick and dirty, more dead than alive
I'm waiting for my man

(Policeman)"Hey white boy, what you doing uptown?
Hey white boy, you chasing our women around ?"
(Lou) "Oh, pardon me, Sir, it's furthest from my mind
I'm just lookin' for a dear, dear friend of mine"
I'm waiting for my man

Tradução

Estou esperando pelo meu homem, 26 dolares em minha mão
Até a Lexington 125
Me sinto doente e sujo, mais morto do que vivo
Estou esperando pelo meu homem

(Policial) "Ei, garoto branco, o que voce está fazendo aqui?
Ei, garoto branco, voce veio caçar nossas mulheres?"
(Lou) "Oh, perdão, senhor, longe de mim isso
Só estou procurando por um amigo muito querido"
Estou esperando pelo meu homem

   É interessante notar nessa passagem como ele se entrega como sendo um viciado, ele cruza a cidade pra ir comprar sua droga e aguarda somente com o pensamento de concluir seu objetivo ali mesmo "se sentindo sujo, mais morto do que vivo". Seguindo a música, ele explicita sua dependência no trecho "I'm feeling good, I'm feeling oh so fine until tomorrow, but that's just some other time" (Estou me sentindo bem, estou me sentindo tão bem até amanhã, mas isso é outro momento) como quem precisa daquilo para estar feliz. A música mostra mesmo uma emoção ingenua em estar fazendo isso, da um clima cool pra tudo aquilo.

   "Heroin" é a ode máxima a heroína, a música de sete minutos tem um andamento crescente rumo a catarse que metaforicamente acaba representando o efeito da droga no organismo.


Trecho da letra original - Heroin

I don't know just where I'm going
But I'm gonna try for the kingdom, if I can
'Cause it makes me feel like I'm a man
When I put a spike into my vein
And I'll tell ya, things aren't quite the same
When I'm rushing on my run
And I feel just like Jesus' son
And I guess that I just don't know
And I guess that I just don't know

Tradução

Eu não sei para onde estou indo
Mas eu tentarei chegar até o reino se eu conseguir
Porque isso me faz me sentir como um homem
Quando eu injeto a agulha em minha veia
Eu te digo, as coisas não são mais as mesmas
Quando estou acelerando minha corrida
Eu me sinto como o filho de Jesus
E eu acredito que eu realmente não sei
E eu acredito que eu realmente não sei

   Nessa estrofe "se sentir como um homem" seria um paralelo a "estar vivo" "estar bem" e se sentir como o filho de Jesus como "ter poder", "ser abençoado" e no fim ele confessa talvez que no fundo ele não sabe o que está fazendo ou não sabe descrever a sensação e que não deve estar realmente assim e de qualquer forma ainda é bom "E eu acredito que eu realmente não sei" e tudo isso é fruto de tornar cult um sentimento suicida, de saber que aquilo no fundo está matando por dentro e que isso é bom visto toda a ilusão que se tem com a vida naquela sociedade:


Trecho da letra original - Heroin

I have made the big decision
I'm gonna try to nullify my life
'Cause when the blood begins to flow
When it shoots up the dropper's neck
When I'm closing in on death
And you can't help me now, you guys
...

I wish that I'd sail the darkened seas
On a great big clipper ship
Going from this land here to that
In a sailor's suit and cap
Away from the big city
Where a man can not be free
Of all of the evils of this town
And of himself, and those around
...

Heroin, be the death of me
Heroin, it's my wife and it's my life

Tradução

Eu tomei a grande decisão
Eu tentarei anular a minha vida
Porque quando começa a fluir
E sobre pelo pescoço do dopado
Quando estou mais perto da morte
E voces não podem me ajudar agora, rapazes
...

Eu desejo que tivesse navegado pelos mares sombrios
Em um grande e belo iate
Indo desta para outra ilha
Em uma roupa e chapéu de marinheiro
Para longe da cidade grande
Onde um homem não pode ser livre
De todos os demônios dessa cidade
E dele mesmo, e todos a sua volta
...

Heroina, seja minha morte
Heroina, é a minha esposa e é a minha vida



Lou sendo cool.

   É realmente muito complicado julgar alguém que fala sobre e supostamente sofreu de depressão, teve pensamentos suicidas e era um viciado mas eu acho igualmente complicado que, mesmo uma pessoa nesse estado, torne essa condição poética dessa maneira, sendo sua fuga do mundo sombria e ao mesmo tempo dando um status a isso, como quem está bem com aquela condição, é dificil para mim imaginar que alguém que esteja depressivo mostre felicidade pela sua possibilidade de morte, aquilo continua sendo ruim para quem sofre da doença mas se torna uma maneira de amenizar a dor, o mesmo com a droga. E sim, ele estava propenso aos males daquela sociedade, as pessoas querem uma fuga, elas precisam de uma, mas acho que para além disso Lou estava sendo o cara descolado e rebelde que desobedecia as regras.

   Eu gosto das duas músicas (e do album, ouçam) e vejo um fundo de realidade nelas porém também enxergo uma relação com as drogas que tem total influência dos privilégios daquele homem naquela sociedade, diferentemente do que está contido no que Gil Scott-Heron gravou quatro anos depois em seu disco seminal Pieces of a Man (1971).


Crianças almoçando em escola dos panteras.
   Heron era negro e pobre, cresceu no Bronx, um dos bairros mais violentos de Nova York. Apesar das condições nada favoráveis era dedicado e inteligente, estudando produção literária de autores brancos e seguindo os passos dos expoentes do chamado Harlem Renaissance (período de grande efervescência da literatura afro-americana). Em resumo, o cara era um poeta e percebia as mudanças e conflitos que aconteciam a sua volta.

   Começou sua carreira musical em 1970 com o LP Small Talk at 125th and Lenox. O álbum incluía canções agressivas contra os meios de comunicação corporativos manejados por brancos a superficialidade da televisão, o consumismo, e a ignorância da classe média dos Estados Unidos sobre os problemas sociais na época.

   Poesia e revolta. Sim, poesia revolta de um cara negro. Isso é o rap ou como ele deveria ser sempre (se não fossem esses mesmos meios de comunicação corporativos manejados por brancos que controlavam a industria cultural e o consumismo criticados pelo próprio Gil). Mas nos anos 70 não tinha rap, não tinha mesmo, mas tinha Gil Scott-Heron.

Pieces of a Man, 1971.

   O Pieces of a Man (Pedaços de um Homem), lançado um ano depois, (que álbum, amigxs, que álbum) tem umas das músicas mais importantes daquela época, The Revolution Will Not Be Televised (A Revolução não Será Televisionada) mas a que quero falar aqui sobre é Home is Where The Hatred Is, um soul obscuro e lindo com umas das letras mais pesadas que já contemplei.


Trecho da letra original - Home is Where The Hatred Is

A junkie walking through the twilight
I'm on my way home
I left three days ago, but no one seems to know I'm gone
Home is where the hatred is
Home is filled with pain and it,
Might not be such a bad idea if i never, never went home again
Stand as far away from me as you can and ask me why
Hang on to your rosary beads
Close your eyes to watch me die
You keep saying: "kick it, quit it, kick it, quit it"
God, but did you ever try
to turn your sick soul inside out?
...

Home is where I live inside my white powder dreams
Home was once an empty vacuum that's filled now with my silent screams
Home is where the needle marks
Try to heal my broken heart
and it might not be such a bad idea if I never, if I never went home again
...

Tradução

Um viciado andando pelo crepúsculo
Estou indo para casa
Eu a deixei três dias atrás, mas ninguém parecia notar que eu tinha ido
Lar é onde está o ódio
O lar está cheio de dor e ódio
Pode não ser uma ideia tão ruim nunca mais voltar para casa novamente
Permaneça o mais longe de mim que você pode
Pendure suas contas do rosário (Reze)
Feche seus olhos para me ver morrer
Você continua falando: "chute-a, feche-a, chute-a, feche-a"
Deus, mas voce já tentou alguma vez
jogar para fora sua alma doente?
...

Lar é onde eu vivo dentro dos meus sonhos de pó branco
Lar foi uma vez um vácuo completo que é preenchido agora com meus gritos silenciosos
Lar é onde as agulhas marcam
Tento curar meu coração partido
E pode não ser uma ideia tão ruim se eu nunca mais voltar para casa novamente


   A maneira como consegue ser franco expondo um problema individual e ainda aponta-lo como reflexo de um problema coletivo é grandioso e chocante. Na primeira estrofe ele já admite seu vicio e mostra conhecimento sobre a destruição que ele o provoca, no outro trecho ele aponta que lar é onde está o ódio porque é lá que encontra um ambiente hostil, lá ele sabe que não conseguirá parar de consumir cocaína e heroína, lá ele sabe que não conseguirá deixar de se consumir.

Gil Scott-Heron.

   Ele ainda tenta evitar os problemas que sua condição causa para os que estão a sua volta "permaneça o mais longe de mim que voce pode". O trecho "chute-a, feche-a"parece se referir a uma porta, como quem impede alguém de entrar mas também pode se referir aos demônios que atormentam e fazem questionar se "ja tentou alguma vez jogar para fora sua alma doente?".

   Ao mesmo tempo nessa música, e ai para mim ta a grande sacada, quando Scott-Heron se refere a casa ele também está falando de sua comunidade, que é uma comunidade semelhante aquela em que o senhor Reed comprava sua heroína, ele evidencia a destruição de seu bairro e também do começo da crise do movimento, em 71 os Panteras estavam sendo presos, mortos e... se afogando em vícios nos guetos. 


Poder para o povo!

   As três músicas citadas, I'm Waiting for The Man, Heroin e Home is Where The Hatred Is retratam o mesmo tema, em uma mesma época e mesma sociedade só que com a diferença primordial que estão sobre olhares de indivíduos que pertenceram a classes sociais, de cor, de condição econômica e logo visão de sua sociedade diferente. A cultura produzida nessas especificações de tempo e lugar são um excelente instrumento para entendermos o que acontecia ali mas como também se nota precisamos ter um olhar amplo para não nos limitarmos logo de cara com um ponto de vista sem fazermos um recorte. 

   O que para um foi uma fuga, mesmo que destruidora e ainda sim uma experiencia de juventude, uma aventura, para outro foi uma realidade mórbida consumada na tentativa de manter sua classe, seu grupo, na posição de margem que tinha sido colocada. O que sobra hoje é a arte para apreciar e a luta política que não morreu (e nem morrerá!) por uma realidade ocidental menos desigual, combatendo o tráfico, a pobreza e o racismo que é injetado em altas doses nas veias da nossa sociedade e a mantém com a alma doente, mais morta do que viva para alguns.



Abraços,
João Carlos Pinho

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Por Que Wesley Safadão Se Tornou Cult?

De uns tempos pra cá, cada vez mais me incomoda uma tendência social de consumo de cultura que acaba por banaliza-la, tornar-la algo cômico criando uma imagem em cima de um artista por conta de sua origem.

Em meio a uma sociedade cheia de preconceitos, esse poderia ser só mais um que deveríamos problematizar e realmente é, a diferença é como a juventude de esquerda que deveria ser combativa contra isso não percebe como age dessa forma rotineiramente sem nem saber no que isso implica.

Há algum tempo atrás o funk carioca era odiado por um grupinho que curtia Rock Wins e promovia um odio a outros estilos, era a tendencia, hoje em dia uma boa parte desse publico ama funk. Até ai problema nenhum, gostos mudam, as pessoas percebem como não faz sentido odiar algo por odiar. 

Entretanto, criou-se uma cultura de um funk cômico, engraçado, apropriado por um público de classe media. O funk originalmente não era assim, apesar de sempre um estilo dançante e irreverente.

O que eu me pergunto é: ele se tornou assim por questões diversas ou primeiro ocorreu uma banalização dele e ele se adaptou a essa banalização para ter seu crescimento?

Uma comparação que pode ser esclarecedora é com a escola de comediantes negros que temos nos estados unidos. Essa nata que tem crescimento nos anos 80, uma época em que o racismo era descarado lá, não surgiu porque quiseram isso em primeiro momento. Eram pessoas que diariamente eram vitimas de racismo, as pessoas riam delas antes mesmo de se tornarem comediantes e justamente por isso se tornaram! 

As pessoas reagem de diferentes maneiras a opressão e enquanto algumas combatem ferrenhamente ela, outras tentam se adaptar. Essas pessoas viram no racismo como entretenimento para a classe media branca uma alternativa a vida de merda que o racismo estrutural os destinava.

Mas isso não se refere só a racismo, isso acontece com qualquer arte de origem em uma cultura depreciada. O Norte e o Nordeste com Wesley Safadão e outros que apesar de terem já uma imagem engraçada tem essa imagem reforçada por memes. Voce provavelmente já viu mais memes do Safadão do que ouviu musicas dele. A musica dele acaba sendo só mais uma parte da imagem que criamos em cima dele e não o foco. São como bobos da corte, vivem bem, ao lado dos reis e ainda sim são tratados como bobos.

Não to falando pra pararem de curtir o que realmente curtem mas só pra terem uma noção do contexto que aquilo ta sendo levado a voce, reparem nas origens daquela arte, repararem na sua posição social em relação a de quem a produz. Repararem se vocês curtem realmente aquilo ou se vocês curtem a imagem criada em torno daquilo.

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

O Melhor Que O Mundo Tem a Oferecer

Dentro da sociologia muito se fala de melhorias sociais pautadas na atuação política. Inúmeros argumentos e fatos da historia humana provam que essa é realmente a forma necessária para que uma mudança positiva ocorra e isso já é encarado como uma verdade, o que varia é o que se considera forma de fazer politica.

Enquanto para a maioria da população isso está limitado a votar em um bom candidato a um cargo político, movimentos sociais pregam uma participação ativa nessa politica, acompanhando, formando opinião e se organizando para garantir que o dono desses cargos cumpram com o melhor para o povo. Somos o chefe.

Nesse meio no entanto quase nunca se percebe o valor da cultura. A cultura é um bem de valor inestimável e não só em escala nacional mas também em escala individual, vemos isso claramente pela diferença que é consumida e pelas possibilidades de acesso a ela das classes mais pobres e das mais ricas. 

Em um contexto de Brasil se tem claramente uma hegemonia cultural Euro-Estado Unidense: a música que a massa consome é pop americana e inglesa (mesmo que neste caso também atribuamos um grande valor a nossos próprios estilos), os filmes que vemos vem de Hollywood, os livros que lemos (e quando lemos) e as artes plásticas que as classes baixas não tem acesso são em grande maioria europeias. 

Mais do que isso, elas mostram a realidade desses lugares (somente a parte indiscutivelmente boa) e a todo momento nos doutrinam a pensar da mesma forma e a tentar ser o que eles são. Nós caímos como patinhos.

Se alguém te dissesse que vai procurar na internet um filme indiano para baixar voce ia no mínimo achar um fato curioso ou associar isso ao status cult de sua colega mesmo que sim, a Índia seja o país maior produtor de filmes no mundo disparado. Você talvez nem soubesse disso até agora. 

Podemos ir além. Nigéria, sim, aquele pais pobre de tamanho, lingua, localização (hurr durr África) e por fim cultura que voce nem conhece, que na sua cabeça é somente mais um dado geográfico, é uma enorme produtora de filmes e pasmem, inclusive maior e por muitas vezes de mais qualidade que a nossa querida nação. 

Nossa nação de grandeza continental em que seu próprio cidadão conhece mais de Nova York do que das tradições populares da região Norte. 

E não confunda valorizar o que enxergamos normalmente como arte exótica com tirar o valor do que nós é mostrado desde sempre (em um mundo globalizado a palavra exótica nem deveria mais existir). Tem sim obras e tradições interessantíssimas na Europa e nos EUA mas hierarquizar a cultura global e colocar a desses lugares no topo é se limitar, inferiorizar e isso parte claramente de um jogo político. 

Com sentido ao menos de valorizar nossas próprias raízes devíamos saber mais sobre os escravizados trazidos da África e os indígenas dominados em suas próprias terras. 

África. Território gigantesco. Um continente maior que o nosso. Pluralidade cultural quase incalculável. E no entanto de lá eles vieram, da África, da mesma forma que voce brasileiro veio da América e eu posso classificar você culturalmente igual a um mexicano ou peruano. Todos americanos certo? E indígenas também, vivem no mesmo continente então portanto, indígenas, mesmo que isso englobe milhares de sociedades. 

Completo estereotipo. O pouco que conhecemos de suas tradições são estereótipos. Chegamos a pressupostos falhos absurdos: "A filosofia nasceu na Grécia." (Toda sociedade tem propensão a desenvolver filosofia. TODA) "Índios vivem no mato e caçam." "Não tem conhecimento científico." Mesmo que para qualquer um que pesquise um pouco saiba que recentemente catalogaram 500 ervas medicinais e suas propriedades para o governo, algumas que os cientistas não fazem ideia de como tem o efeito que tem.

Imagine quantas obras e ideias geniais tem no mundo todo que nunca serão descobertas na escala global que a tecnologia nos permite, quantos tesouros perdidos. 

Perdidos não. A internet nos possibilita ter acesso a muitos deles mas a hegemonia é tão grande que nos contentamos com ela e não adquirimos o habito de caça-los. Eles não precisam limitar diretamente nosso acesso a isso porque a gente simplesmente não vai procurar, estamos confortados nessa zona. A banalidade do mal em escala cultural diria Hannah Arendt.

Pois bem, um conceito chave cada vez mais empregado é desconstrução, devemos desconstruir preconceitos para sermos pessoas melhores e formamos um coletivo melhor. Da mesma forma devemos desconstruir as hierarquias culturais. E isso não significa somente perceber que elas existem, mas quebra-las.

Não da para esperar que alguém pobre e que não tem conhecimento social acadêmico minimamente razoável possa sair por ai pesquisando sobre as tribos aborígenes  australianas. Mas e você que tem noção disso? 

Não pense nessa proposta como um dever a se assumir. Da mesma forma que consumimos diversos materiais que nos impressionam, levam a reflexão e/ou provocam sentimentos intensos, fatalmente acharemos algumas manifestações no mundo além do eixo que nos encantarão. 
A ideia é tornar o acesso informação e a cultura que não aproveitamos normalmente além de uma fonte de prazer ímpar e acréscimo a nós como seres humanos, uma atitude política anti hegemônica.

Procure sobre a música e a arte dos povos africanos, dos povos da América Central e do Sul, da América Central e do Sul, da China e do Japão, seu único limitador é o mundo, desconstrua o padrão social que esta dentro de você e te limita, ao mesmo que acrescenta a si aquilo que só tem a te acrescentar mais: cultura, a universal cultura, comum a todos os povos mas preservando o maior bem dentre as nossas singularidades humanas: a diversidade.